quarta-feira, 19 de maio de 2010

A vaca não foi para o brejo

Meus caríssimos irmãos e amigos,

Tudo indica que alguém tentou roubar uma vaquinha prenha da Fazenda de Caná. A mocha apareceu presa entre as pedras, ladeira abaixo, com o bezerrinho já morto e ainda parcialmente dentro da mãe. Mas quem faria isto? Quem seria capaz de entrar em uma fazenda de recuperação para dependentes químicos e tentar roubar um animal? Parece que foram as mesmas pessoas que tentaram esvaziar a represa de lá, supostamente para levar todos os peixes ao mesmo tempo. Para que pescar? Para que dedicar tempo de sua vida e no final, sair com alguns poucos e minguados peixes? Melhor destruir o lago e sair com todos os peixes ao mesmo tempo. Escolher os maiores sem trabalho e deixar os outros se sufocando até morrer!!

Este final de semana coordenamos o 2º Encontro para dependentes químicos na Fazenda de Caná. Um final de semana dentro do mundo das drogas e do álcool. Precariedade geral! A estrutura falta água na cozinha. Os quartos estão infestados de pernilongos. Falta um vidro em uma janela do módulo 8 e o frio foi implacável. Os chuveiros funcionam como conta gotas. Os colchões são macios demais. Existe uma coluna no meio da sala de palestras. Faltam espelhos!! É, isso mesmo, faltam espelhos.....

36 pessoas marginalizadas pela vida, pela sociedade, pela família e principalmente, por eles mesmos. As razões são conhecidas e as vezes, completamente antagônicas. 'Eu tinha tudo' e o 'Eu não tive nada', caminham como irmãos siameses. 'Minha família era desestruturada' e o 'Minha família sempre esteve ao meu lado', são vizinhos na realidade destas pessoas. A Fazenda de Caná recebe quem chegou no 'fundo do poço' e decide plantar o que resta de sua semente humana naquele solo. Muitas vezes os pássaros as comem, outras tantas os espinhos as sufocam e algumas tais, criam raízes, crescem, florescem e dão frutos!!

Meus irmãos, este final de semana alguns de nós tivemos a dádiva de estar lá em corpo e alma, levando uma mensagem diferente para estas pessoas. Como da primeira vez, a ironia da vida fez com que saíssemos muito mais abastecidos do que chegamos e provavelmente, recebemos mais do que deixamos.

Aécio, Carla, Elimar, Ira, Jack Pontes, Marcinho, Mozart e eu tivemos esta honra de estar lá, de sentir que 'aquela velha e já conhecida sementinha', foi plantada de novo em nossos corações, como no final das Paradas Prodes que marcaram indelevelmente nossas vidas, a mesma, igual, ou provavelmente ainda melhor. Isso mesmo! É bem possível que tenha sido muito melhor, pois hoje temos a maturidade para percebê-la com muito mais proficiência!

Convocando os irmãos/amigos para este propósito, tenho escutado razões diferentes para declinar o convite. Um deles (que eu amo e tenho muita saudade...) me marcou muito, dizendo que não participaria outra vez das ações da Associação, porque hoje ele não acredita mais naqueles preceitos, mais do que isso, tem uma lembrança muito linda daquela época e como seria impossível vivê-la outra vez..., prefere ficar apenas com a lembrança maravilhosa em sua mente e não destruí-la com a nova realidade.

Como lamento isto. Nós todos recebemos uma bênção maravilhosa, talentos com manual de instrução.... e os usamos com amor na adolescência/juventude, mas 'o mundo lá fora' (como costumávamos dizer) é diferente. O Ter, o Prazer e o Poder, são inimigos poderosíssimos. Quem os subestima, sucumbe! Assim mesmo, radical, exagerado!! O final de semana, no melhor dos casos, é para a família! Opa, mas espera aí! Volta a fita um minutinho. Os marginalizados não são nossos irmãos também? Filhos, pais e parentes? Podemos negar o que quisermos, mas sabemos que seja pelo lado Cristão ou seja pelo lado Social, ou até mesmo pela profissão que exercemos, convivemos diariamente com esta realidade.

Será que se os pais destes internos tivessem se doado a esta causa lá no passado, aquele traficante que corrompeu seu filho não poderia ter tido uma outra vida? Quem sabe o 'drug dealer' não cruzou o caminho destes pais de alguma forma. Quem sabe se este pai ou esta mãe tivesse se voluntariado a sei lá... dar catequese em sua paróquia por exemplo, não teria mudado o rumo daquele garoto que hoje corrompeu seu ente querido? Não sei e nunca saberemos amigos!! Mas talvez esta possa ser nossa realidade futura. Por favor, não sou a 'Mãe Diná', mas olhem pela janela um pouquinho e não será difícil perceber que esta possibilidade teatral que eu crio aqui, não está muito distante da realidade...

Caríssimos, não estou escrevendo para puxar a orelha de ninguém, até porque a primeira a ser esterçada deveria ser a minha! Estou escrevendo estas linhas para dividir com você que sentimos de novo aquela chama; que a semente foi plantada; que ali é um pedaço do paraíso; mas não pode agradecer... não era assim que falávamos?

Estou escrevendo porque quero dividir minha alegria com vocês. Porque ouvir alguns internos dizendo que 'vão passar para frente o que a Família de Caná está fazendo por eles', ascende outra vez a chama (utópica...?) de que podemos transformar o mundo!! Envio estas palavras porque os Amo, vocês sempre foram e serão minha família, com toda a normalidade de todas elas, erros e acertos, amor e ranços; e sendo assim, quero dividir com vocês a felicidade que transborda em meu coração. Quero que vocês estejam lá nos próximos e sintam o mesmo gozo que estou sentindo agora.

O mundo vai continuar destruindo a represa e roubando os peixes graúdos, mas a "vaca não foi para o brejo" meus irmãos! Que Deus continue nos dando força e coragem para não sucumbirmos.

Beijo,

Paulo Tadeu

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